Em distrito baiano, evangélicos são maioria e falam muito sobre política

É manhã de domingo em Barra de Pojuca, distrito popular de Camaçari, a aproximadamente 70 km de Salvador (BA), e o comércio está quase deserto. Na rua principal que dá o ao bairro periférico, o que se ouve são ecos de cantoria, falas e instrumentos musicais. É o som das igrejas evangélicas que dominam a paisagem sonora da comunidade.
Desde a década de 1990, o número de evangélicos no Brasil cresce em ritmo vertiginoso. Em 2020, 31% dos brasileiros se declararam evangélicos, segundo pesquisa do Datafolha. O número comprova projeções que apontam uma mudança fundamental na fé brasileira. Em 2032, eles serão o principal grupo religioso do país.
Muitas comunidades e municípios do Brasil já vivem esse futuro. Os sons daquele domingo, em Barra de Pojuca, comprovam isso. Num raio de 2 km, contam-se apenas uma igreja católica, nove terreiros e cerca de 80 denominações evangélicas.
A Igreja Batista em Células é uma das maiores da região e fica logo na entrada do bairro. O sermão da pastora pede aos fiéis: "Orem pela nação!".
Após o culto, José Carlos Marques, 44, diz que já sabe em quem vai votar. "Alguns líderes entenderam que precisam se posicionar para que a igreja, no futuro, não sofra consequências políticas", explica.
Faltavam três meses para o início da campanha eleitoral e nenhuma citação à política ou a algum candidato foi feita durante o culto. Semanas antes, no entanto, a igreja estava em peso no evento comemorativo de descobrimento do Brasil, em 22 de abril, em Porto Seguro, a mais de 700 km dali.
Fiéis e pastores vestiam camisetas verde-amarelas e faziam alusões ao presidente Jair Bolsonaro, presente também no tradicional evento. "A gente vai todo ano e por acaso ele estava lá. A Bíblia pede pra gente orar para as autoridades", disse José Carlos Marques.
No último 7 de setembro, a cena se repetiu — foi o dia escolhido para a Marcha para Jesus na região de Camaçari. Um trio elétrico tocou o hino nacional e louvores, arrastando fiéis pelas ruas da cidade. "Três coisas vieram como bandeira dessa gestão agora: Deus, pátria e família. Isso faz a diferença. A questão do patriotismo despertou a todos, crentes ou não."
Um dos líderes da igreja, porém, pondera que nem sempre esse voto ungido foi de direita. "Antes de 2018 a gente aqui já se posicionava. Hoje eu acho que essa aproximação toda é por questão de pauta, princípios, não exatamente pela pessoa. Eu preciso me aliar a pessoas que defendem o que eu defendo", explica Marques.
A denominação veio da Igreja Batista Tradicional de Salvador. Naquela época, não era permitido nem bater palma durante o culto. Aos poucos, a liturgia foi mudando e a banda ganhou o reforço de um balé — os gritos de "aleluia" e louvações foram liberados.
Mas o que mais a difere das outras igrejas é sua organização. Cada líder istra células em casas de família, aumentando o poderio de evangelização bairro adentro. Homens se reúnem entre si — "e mulheres se resolvem com mulheres. Eu acho que não fica bem eu, casado, aconselhar uma mulher", José Carlos Marques observa.
Os grupos se reúnem semanalmente na casa de algum fiel e debatem nos grupos de WhatsApp. Na prática, é como se cada casa do bairro fosse um braço da igreja. Esse modelo fez a denominação saltar de 50 membros para mais de 1 mil nos últimos anos, nas contas da liderança.
Fragmentação divina
Embora a tradicional Assembleia de Deus esteja ampliando seu espaço na construção de uma escola, são igrejas como a Batista em Células — nascidas de um desejo de rejuvenescer seus cultos e emancipar entendimentos próprios do Evangelho e do mundo — que dominam o bairro.
A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo — mais de 6.000 templos e 1,8 milhão de fiéis por todo o Brasil, segundo o Censo de 2010 do IBGE —, não é nem de longe a maior ou a mais frequentada.
"Ser evangélico é, por definição, não se prender a dogmas ou catecismos'', explica Ricardo Alexandre, jornalista e escritor do livro "E a verdade os libertará", sobre a relação do discurso de Jair Bolsonaro com os evangélicos.
A marca que une o grupo é a diversidade: os evangélicos podem ser muitas coisas, menos uma massa uniforme. "Esses pastores que se arvoram representantes dos evangélicos podem no máximo falar pela sua denominação. A maior parte [dos fiéis] não participa de nenhuma delas, são os não-denominacionais. Ser impactado por alguma dessas igrejas significa ter tido o a um nível de cura social, de rudimento civilizatório, que o poder público negou ao brasileiro por 500 anos", explica o jornalista. "Significa, muitas vezes, ter o à palavra escrita pela primeira vez."