Rara é a estrada na Argentina que não tenha um altar para Gauchito Gil. Considerado um Robin Hood local, Antonio Mamerto Gil Núñez viveu no século 19 e até hoje é figura de devoção popular na Argentina. Há diferentes versões sobre sua vida, como as de que liderou greves e movimentos revolucionários, desertou na Guerra do Paraguai e foi preso por roubos e brigas. Era, entretanto, protegido pela população porque era visto como um benfeitor da época.
Diz a lenda que ele acabou capturado e, no caminho para o julgamento, acabou pendurado de ponta-cabeça e assassinado. Antes, alertou que o filho do comissário que o mataria estava muito doente. Para salvá-lo, seu executor deveria rezar em nome de Gauchito Gil. E, segundo os argentinos, assim foi: o comissário chegou em casa e encontrou seu filho doente, mas conseguiu salvá-lo após rezar para o homem que acabara de executar.
Dois séculos depois, Gauchito Gil é idolatrado como um santo ao redor de toda a Argentina. Seus altares, que não são poucos, estão sempre lotados de oferendas, principalmente bebidas alcoólicas. Quando os caminhoneiros am na região do seu santuário em Corrientes, a terra natal do ídolo, têm de buzinar três vezes para proteção.
Os altares nas estradas são de tamanhos variados, mas sempre pintados de vermelho-vivo e reconhecidos à distância pelas várias bandeiras vermelhas que os rodeiam, amarradas em árvores, e que, segundo devotos, representam seu sangue escorrendo. Na crença popular argentina, Gauchito Gil realiza desejos.
Marcelo Damian Tacain, 30, tem essa certeza marcada no peito, onde há uma enorme tatuagem de Gauchito Gil diante de uma cruz. Após um pedido e uma promessa, fez tratamento e se livrou da drogadição. Anos depois, viveu outra vez o que considera um milagre concedido pela figura que enxerga como um amigo: após a namorada perder dois bebês, ela deu a luz o pequeno Mateo em 7 de setembro. Como promessa, o casal vai todos os domingos a um pequeno santuário de Gauchito Gil, também no bairro de Chacarita, em Buenos Aires.
"Agora sinto que não preciso de mais nada na vida", diz o argentino de 30 anos. A namorada Ariana o acompanha no ritual. Durante a gestação, ela acendeu velas e exibiu a barriga grávida para Gauchito. "Faça chuva, faça sol, relâmpagos, sempre encontro tempo no domingo para ir", conta Marcelo, que também fez a promessa de ir ao santuário de Gauchito Gil na província de Corrientes, antes de Mateo completar dois anos.
No altar para Gauchito ao lado da cama de casal há uma imagem do ultrassom do bebê. Pela casa, pelo carro e em seus objetos, abundam imagens do personagem argentino. Sempre que pode, Marcelo acende uma vela vermelha em casa.
"Minha crença começou há mais de 10 anos como algo muito pequeno, mas depois virou algo enorme na minha vida. Ele cumpre a função de um amigo, de um confidente, falo com ele como se fosse uma pessoa, e quando estou triste, me sinto acompanhado. Depois da gravidez, essa crença foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo."